terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Saudade.

( Se for ler, indico que leia escutando essa música : http://www.youtube.com/watch?v=1FzVWlOKeLs&feature=fvst )

Todos nós sabemos que a palavra saudade só existe em português. Já escutamos várias vezes sobre isso, em aulas de português ou até mesmo em aulas de inglês, quando algum professor ou professora resolveu nos ensinar a falar 'estou com saudade disso/daquilo/de não sei quem ...'.
E daí vamos aprendendo com a vida mesmo - a maior e melhor professora do mundo - que saudade é dolorida. Que saudade pode ser boa, que pode ser feliz, que pode ser triste, que pode até fazer chorar, mas também pode fazer sorrir.

A saudade tem vários tons diferentes, como na música. Ela pode até desentoar, por vezes, destraída, nos fazendo perder o controle. Nos fazendo desacreditar no reencontro. Nos fazendo enxergar a vida da maneira real que ela é. E no fundo, sabemos que a vida nua e crua é um tanto dolorida. Tentamos fugir da realidade que machuca... E acabamos acreditando em nossas próprias mentiras, vez em quando, como uma válvula de escape pra aliviar todo o sofrimento que toma conta lentamente letalmente de todos os nossos sentidos. De todos os nossos ossos, nossos músculos e nervos. Fazendo chorar de dor, de amor e de saudade.
E sofrer no sentido real da palavra, sofrer de tanto querer.

Ausência é outra palavra que podemos usar pra explicar a falta. É que a saudade faz isso com a gente. Essa vontade de querer. Essa vontade de abraçar. De beijar. De apertar cada pequena parte do corpo ausente.A falta que alguém faz. Um lugar faz. Um cheiro, um toque.
A falta daquela música que só tocava naquela rádio.
A falta daquela melodia que só se podia escutar da maneira exatamente como ela era quando assoviada pelos lábios da pessoa ausente.
A falta daquela mesma história que sempre era contada na mesma data, tipo quando a gente faz aniversário e nossa mãe sempre faz questão de falar a que horas nascemos, e como foi a dor do parto, e o que os médicos falaram quando aparecemos pro mundo.
Aquele cheiro que tinha na primeira casa em que você morou.Na primeira cama em que você dormiu. O cheiro dos lençóis lavados com aquele amaciante que hoje já saiu do mercado.
Lembrança da primeira vez que você beijou na boca, da primeira vez que falou 'eu te amo' e de quando descobriu que nem sempre é amor.
Saudade pode doer e pode fazer bem.
Pode machucar e pode curar.

A nostalgia surge quando criamos completa noção de que o momento já não mais será vivido por nós outra vez. Que passou, passou...
E é por isso que de vez em quando a gente sente a dor. Geralmente sentimos isso por termos crescido.
De alguma maneira o sofrimento nos faz crescer, e sempre faz.
O pior da nostalgia é o fato de que quando entra em contato com sua causa, ela aumenta ao invés de diminuir.
A saudade não é assim. Queremos matar a saudade pra diminuir a dor. Pra aumentar o amor, pra estancar a ferida no peito.
Mas é tudo saudade. Sendo nostálgica ou só saudade. É tudo saudade.

E se crescemos com os sofrimentos, nos tornamos adultos consequentemente... E se tornar adulto é um problema. Estou vivendo isso agora.
Porque pra ser adulto é necessário sentir nostalgia. E todos os adultos sentem nostalgia.
É como quando nos lembramos do programa de televisão que mais gostávamos quando pequenos, e que hoje em dia não passa mais em nenhuma emissora. Aquele desenho animado com dublagem mal feita.
Como quando lembramos aquela fruta que tirávamos no pé. E o cheiro que ficava em nossas mãos depois de comê-la.

A saudade faz a gente derramar lágrimas. Faz a gente colocar pra fora do corpo a água que bebemos naquela época...
Ah!, os tempos passam, os absurdos aumentam e quando menos esperamos, cá estamos nós, envelhecidos, como aquela geladeira amarela que fazia sucesso entre as mães, na nossa infância.
Como aquela comida cheirosa que nos aguardava quando chegávamos da escola, meio dia.

Vamos perdendo as pessoas queridas, vamos entendendo a morte da maneira como ela deve ser entendida - ou não -, com a dor e a saudade.
Vamos carregando e acumulando em nosso peito a saudade de um, de outro, daquilo... E um dia, como se não houvesse mais saída dessa vida em que tentamos sobreviver, vamos chegar em casa, as sete e meia da noite, depois de um dia cansativo de trabalho, deitaremos em nossa cama e com a ajuda do silêncio que as quatro paredes nos farão ter, lembraremos sem parar das coisas maravilhosas que passamos. Da nossa juventude rebelde, do nosso primeiro amor, do nosso primeiro adeus, do segundo adeus e quem sabe lembraremos até do cheiro que a primavera de 1996 fez.
Lembraremos dos bailes de formatura, lembraremos dos porres alucinantes que tivemos, e lembraremos de quando fomos rejeitados por alguém a quem tanto amávamos.
Será torturante.
Lembraremos de nossos pais nos aconselhando a não fazer isso e aquilo, e lembraremos do quanto fomos ingratos algumas vezes.
Iremos lembrar das traições de amigos. Iremos lembrar das amizades sinceras e das amizades que já se foram. Alguns terão ido embora dessa vida, e deixarão conosco as boas recordações.
E cá estaremos nós, envelhecidos como os fuscas.
E cá estaremos nós, cheios de saudade daquela tia por parte de pai que nos dava tudo o que queríamos.
Aquele avô que sempre nos dizia o quanto éramos especiais e bonitos.
E já seremos pais, já sentiremos a dor de uma desobediência de um filho.
Estaremos lutando para que nossos filhos não sofram. Estaremos lutando para que nossos filhos tenham boas lembranças no futuro deles.

Sem sombra de dúvidas, a saudade é o que mais me faz chorar nessa vida.
E sei que me tornei adulta quando notei que parte da minha saudade era também nostalgia.
Sem saída, me sinto encurralada num beco.

Provavelmente daqui uns anos, estarei sofrendo com a ida de alguém que amo muito. É que não tem pra onde correr, o destino de todos nós é o mesmo.
Infelizmente - ou não, mais uma vez - somos meros mortais.
O ciclo continua. Tudo isso deixando amargar o peito um dia ou outro.
E o importante mesmo é que tenhamos feito a nossa parte nesse mundo que, por enquanto, ainda é nosso.

Saudade aperta mesmo o peito.

E viver é assim : Como se estivéssemos no finalzinho daquele doce maravilhoso... Guardando sempre o melhor pro final. E vamos comendo aos poucos, deliciando-nos do sabor dos ingredientes, apreciando as mãos de quem o fez e sem sabermos se ele acabará daqui a dois minutos, ou daqui a duas horas. Depende da mordida. Depende da fome.

Digo que recordar é viver e faz muito sentido agora.

Nós, envelhecidos, abraçados a ninguém, com o peito cheio de saudade.
Sorrindo e chorando, com lapsos de memória. Com memórias completas. Com tudo desordenado no cérebro.



Querendo voltar atrás o tempo que já passou, passou.

2 comentários:

  1. "Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas as vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: Quer-se absorve a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida."
    Clarice Lispector.

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