Você pode até pensar que eu sou assim, um pouco egoísta. Essa coisa de 'olhar muito pro próprio umbigo' e tal. Talvez seja mesmo.
Talvez eu seja tão egoísta que queira ter todos pra mim, e talvez por isso eu tenha essa minha mania de querer ser agradável com todo mundo.
Na verdade, eu tenho alguns anos nessa vida, nesse mundo, e já conheci gente da pior laia. Conheci pessoas muito boas também.
Conheci pessoas boas que aos poucos se mostraram ser ruins. Conheci pessoas muito ruins que aos poucos conseguiram se tornar em pessoas muito boas.
Conheci gente que se fazia de gente quando na verdade, era animal irracional.
Conheci animal que se fazia de animal e na verdade era mais fiel que muita gente.
Eu já conheci criaturas e criaturas.
Eu já tive as melhores decepções da minha vida. Magoei pessoas e pedi perdão. Magoei alguns e não tive a oportunidade de pedir perdão.
Muita gente me feriu também. Algumas pessoas me machucaram tanto que até sangrou. Algumas outras pessoas me machucaram superficialmente, e logo o tempo curou. Poucas pessoas me pediram perdão, mas as que me pediram perdão foram pessoas de carne e osso, que como eu, precisam às vezes baixar a cabeça e reconhecer o próprio erro.
Eu tive que reconhecer o meu erro muitas vezes. Já chorei de arrependimento. Já fiz que pessoas chorassem de arrependimento. Sem notar, fiz com que pessoas me odiassem. Querendo, também as fiz me odiarem.
Mas olha, eu já fiz gente me amar muito mais nessa vida. Posso dizer que tenho mais amores que qualquer outra coisa ruim na vida.
Devo ter mais amores que saúde, até.
Tenho que dizer que tomei café com amigos que hoje não lembram mais o meu nome. Quem dirá sobrenome.
Eu já dividi noites, garrafas de cerveja, cigarros, comida, dinheiro, roupas, sabonete, espaço, com pessoas que hoje mal me olham quando me encontram na rua.
Lembro que chorei no ombro de uma mulher que falava português no mesmo exterior em que eu me encontrava. Seu nome deveria ser bem doce, mas eu não tive tempo de perguntá-la sobre isso. Ela apareceu, me deu seu ombro, eu chorei, e aí ela foi embora. Disse um 'tchau' e só então eu entendi que ela também era brasileira. Me arrependi de não ter contado a ela o que eu estava sentindo. Eu até arranhei um pouco o meu inglês, disse 'sad' e ' tired', mas talvez ela nem falasse inglês. Era uma brasileirinha, como eu. Doce.
Foi embora.
Um monte de gente assim já foi embora da minha vida. Foram pessoas que talvez ensaiaram um ' eu te amo' na frente de qualquer espelho antes de me encontrar. Algumas conseguiram me olhar nos olhos e falar. Outras, ficaram ensaiando a vida inteira. Morreram assim, tentando. E eu espero que tenham morrido em paz.
Você já olhou nos olhos de alguém tão profundamente que achou que estivesse olhando os olhos de um anjo? Você já tocou na pele de alguém e achou que estivesse tocando em nuvens?
Isso aconteceu algumas vezes comigo. Mas devo ser sincera... foram com poucas, pouquíssimas pessoas.
Tem gente que tem essa habilidade de levar a gente no céu.
Eu queria muito ter um corpo perfeito e uma alma melhor ainda, mas eu não sou assim. Eu tento, e talvez eu morra tentando. Espero que eu tenha uma morte em paz.
Uma vez eu abracei uma estranha, era gordinha, e chorava muito. Tinha uma multidão ao redor dela, e ninguém estava com ela. Incrível né? Essas coisas acontecem com a gente. Às vezes a gente tá rodeado de um milhão de pessoas e não tem ninguém com a gente. Eu abracei, e falei que estava tudo bem. Um tempo depois, eu soube que eu tinha olhos de anjo e pele com textura de nuvens. Outro tempo depois eu não era nada. Eu era uma egoísta que olhava pro próprio umbigo.
Eu espero que as pessoas um dia me enxerguem como anjo. E espero ainda mais que elas não queiram ver o demônio que existe em mim. Não que eu goste de deixar que o demônio que existe em mim seja usado. Na verdade, eu sou mais anjo que demônio. Mas tem uma coisa que aparece de vez em quando, que só os outros enxergam. Eu não consigo ver direito, porque quando as pessoas enxergam isso, eu geralmente estou cega. E quando estou cega eu não tenho o controle da situação. As pessoas que me conhecem na carne/na alma/ no coração sabem disso.
Tenho uma tia que uma vez resolveu jogar as minhas qualidades numa conversa. Ela falava sobre as coisas boas que eu fazia aos outros. Lembro da parte em que ela dava ênfase umas três vezes seguidas ao ' um coração enorme.' Essa mesma tia, nesse mesmo discurso disse, com ênfase ' mas o gênio é forte, uma vez, se ela tivesse de carro, passsava por cima de mim. '. Nós temos uma relação maravilhosa. Mas eu estava cega. E é isso o que acontece quando passam por cima das minhas regras, dos meus limites.
Bom, eu não gosto de dizer ' não pise no meu calo' ou ' cuidado comigo, eu sou nervosa' ou coisas assim. Claro que não! Eu não preciso dizer isso a ninguém, afinal, deixo aberta a porta da minha casa, entra quem quiser e achar que pode.
Não lembro a data, nem o dia da semana, mas era noite e eu estava num bar com uns amigos. A gente podia ver a movimentação ao redor das mesas que estavam quase na rua, e tinha um moleque moreninho, muito malandro, cheio de correntes, tinha perdido um dente da frente, e ainda assim tinha um sorriso muito bonito. Ele era traficante. Dava pra ver. E ele sorria pro nada. Ele simplesmente sorria. Ele deveria estar bem chapado aquela hora da noite. Mas ele sorria, e antes de a gente sair do bar, eu comprei uma lata de guaraná antártica, dei na mão dele e falei algo meio assim ' ó, comprei pra ti moleque. cuida da tua vida e do teu sorriso. tu é muito bonito pra se perder assim. fica com Deus'. E aí antes de entrar no carro eu vi mais uma vez o sorriso banguela daquele moleque malandro, e um 'muito obrigado, moça'. Sei lá o que aquele moleque é hoje na vida. Espero que se ele tenha morrido, que tenha sido em paz.
Com 13 anos eu me apaixonei por um menino malandro. Ele era muito bonito, mas a casa dele era a Febem. Eu fazia visitas à Febem e levava comidas, roupas e itens de higiene, o nome dele eu sabia : Luciano. Ele não sabia ler, escrever. Mas ele era inteligente. Só usava a inteligência dele pra fazer o mal. Um dia o Luciano me fez um desenho lindo. Tinha um mar, um sol, umas árvores e nós dois. Ele era mais velho que eu, tinha uns 15 anos.
A mãe de um amigo meu conseguiu a liberdade dele por uns fins de semana. Aí ele saia da Febem e dormia de sábado pra domingo na casa deles. Ele era obediente. Ele entendia que alí existiam pessoas com boas intenções. Ele entendia que alí era amor. Ele nunca fez nada de errado nos fins de semana que tinha condicional. Mas eu tinha medo dele, no fundo. Embora gostasse, tinha medo. Um dia eu soube que ele havia fugido da Febem. Nunca mais eu o vi.
Eu acho que ele tinha olhos de anjo. Não sei a pele. Mas os olhos eram de anjo. Mais uma pessoa que não sei por onde anda. Se morreu, bom, que tenha sido em paz.
Tem muita gente viva que passou por mim. Tem muita gente morta que anda por aí. Tem muita gente que acha que vive. Gente que acha que morreu.
Tudo bem. Eu sou uma pessoa muito egoísta. Eu queria ter o mundo inteiro nas minhas duas mãos. Mas eu dou confiança às pessoas que passam por mim. E tenho o direito de cobrar a cofiança delas, não tenho ? Eu tenho certeza que tenho. E nas minhas certezas só eu posso opinar! Nas minhas incertezas, só você pode mexer.
quinta-feira, 28 de outubro de 2010
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